Quase
entro num anacronismo[1] ao caminhar pelas ruas da
parte cinzenta de Montevidéu. Ou seja, estar no tempo presente e observar uma cidade
cujo cenário é de fins do século XVIII e início de XIX.
É como
um cenário de filme inglês na consolidação da Revolução Industrial, uma
sensação quase realística, o cheiro, o tom, o barulho, a fumaça. As
casas, praças, avenidas e prédios com arquitetura e construção
"preservadas" daquela época. Alguns prédios com datas (acredito ser
de sua construção), os desenhos das janelas, das grades, das portas (aquelas
portas grandes e emolduradas) e as praças com os monumentos históricos e
representativos. É realmente muito bonito! Estive lá no inverno, daqueles de
sentir dores no maxilar ao sair pela manhã (aliás, se um dia você for ao
Uruguai e estiver frio não experimente sair às ruas pela manhã ou tarde da
noite sem uma touca, seus ouvidos e nariz irão doer, é um frio cortante). As
folhas de plátano[2] secas
pelo chão davam um toque todo especial ao ambiente e, claro, às fotos. Impossível
ir a um lugar como esse e não tirar fotos. Foi fascinante!
Viajar para o Uruguai
foi um sonho realizado. Fiquei na Ciudade Vieja, uma região menos abastada da
cidade de Montevidéu, mas, muito receptiva e com um cenário encantador. Lugar
de gente simpática (lembrando que falo da gente daquela região, lugar e pessoas
simples), receptiva, sorridente, solidária e que gosta muito dos brasileiros
(pelo menos foi o que constatei enquanto estive lá).
Não falava e nem
escrevia em espanhol. Não, não! Fui na “cara e na coragem”, comprei um daqueles
guias de conversação e o li alguns dias antes da viagem e só. Mas, não foi nada
impossível, com o passar das horas e dos dias você começa a ficar habituado com
o recepcionista do hotel, vendedores nas lojas, pessoas nas ruas, novos amigos e
assim por diante, no fim começamos a compreendê-los (só não respondê-los tão
bem como deveríamos.)
Eu estava lá, entre
amigos, para participar de uma atividade muito boa de "capacitação" em
liderança juvenil - CUMBRE / Especialidades
Juveniles, realizada no prédio da Intendência Municipal de Montevidéu. Eu
mesmo não conhecia a Cumbre, mas, quando ouvi um pessoal comentando sobre essa
atividade dizendo que ela proporcionava a unidade entre jovens de várias
idades, regiões, línguas e estilos, fiquei pensando como seria interessante conhecer
pessoas diferentes as quais também servem a Cristo, adquirir novas experiências
e vivencia-las. Essa reflexão só me fez ficar mais ansiosa e com vontade de
conhecer o evento, os palestrantes, as bandas e tudo mais.
Assim decidi viajar e
conhecer essas novas pessoas, lugares e o evento em si. As minhas expectativas
foram superadas e aproveitei muito do tempo, do lugar, das atividades, as
reuniões, os louvores, as bandas, tudo. Senti a presença de Deus de uma forma
inexplicável, lembro que num dado momento, quando participávamos de uma dessas
reuniões de adoração e louvor, os jovens deram as mãos uns aos outros, fecharam
os olhos e começaram a cantar, chorar, se derramar e cada um nas suas respectivas
línguas, era incrível, eu chorava e percebia como Deus é grande. Para Ele não
há separação, não há língua, não há país, ali era um corpo, todos juntos
adorando ao mesmo Deus. Era maravilhoso, não dá para expressar com palavras, só
vendo e sentindo.
Assim como os louvores,
as palestras foram maravilhosas. No começo eu fiquei com um pouco de
dificuldade de compreendê-las, por causa do espanhol, mas, depois fui me
acostumando e consegui até fazer anotações, memorizar e identificar perfeitamente as ideias. Numa das exposições o palestrante
falou sobre as dificuldades de ser cristão nas transições da vida,
especialmente da adolescência para juventude, as intempéries que passamos e
como devemos superá-las, sabiamente. A partir dessa palestra Deus falou comigo
num propósito muito importante que é sobre a maturidade e o enraizamento do
cristão.
Um dos objetivos da
Cumbre (e deve ser o nosso em qualquer lugar do mundo) é educar os jovens no
caminho certo[3],
auxiliá-los como e quando devem agir em determinadas situações. Ou seja,
orientá-los (com embasamento bíblico) a refletir de forma consciente sobre as
atitudes e suas consequências (sejam boas ou más) [4],
compreender o sentido de cultuar, de ser cristão, ter/ser um bom testemunho,
entender a razão de sua existência e aceitar os planos e vontades de Deus[5].
É preocupante quando vemos uma geração passando sem que alguém lhes ensine,
lhes advirta, lhes eduque, lhes “discipule”, sendo, portanto jovens sem base,
sem orientação e sem direção. A responsabilidade está sob nossas mãos, Deus nos
incumbiu a missão do “Ide”[6]
e cabe a nós entender que pregar o evangelho vai além de “citar a bíblia” às
pessoas, de dizer quais e quantos versículos as condenam ou as protegem, como
se a bíblia devesse servir de “amuleto. Educar o jovem, no caminho que deve
andar, é discípulá-lo, é ensiná-lo a meditar e compreender as escrituras,
praticar o que Jesus ensinou, fazendo com que se tornem enraizados (embasados)
e maduros.
Mas, você pode estar se
perguntando “O que é estar enraizado e como me tornar maduro?”. Há uma passagem
bíblica que diz: “Qualquer que vem a mim e ouve as minhas palavras, e as
observa, eu vos mostrarei a quem é semelhante: É semelhante ao homem que
edificou uma casa, e cavou, e abriu bem fundo, e pôs os alicerces sobre a
rocha; e, vindo a enchente, bateu com ímpeto a corrente naquela casa, e não a
pôde abalar, porque estava fundada sobre a rocha. (Lucas 6:47 e 48). Esta
passagem fala sobre a diferença do homem que construiu a casa na areia e o que
construiu a casa na rocha. Perceba que os dois homens tiveram a mesma
oportunidade de construir a casa, porém, um preferiu se acomodar sobre o
superficial (a areia), imaturo e sem raiz, enquanto o outro optou por cavar,
cavar e ir a fundo até achar a base (a rocha), enraizado. Ou seja, a diferença
não estava no terreno, este era o mesmo, a diferença estava na ação dos homens.
Trazendo isso para
nossa vida entendemos que o homem que construiu sua casa na areia decidiu viver
na superficialidade (da areia), sobre o imediatismo, o comodismo, aquilo que dá
menos sacrifício, que é mais fácil, mais rápido, sem renúncia e sem o peso da
cruz[7].
Não podemos ser jovens imediatistas, acomodados, sem fundamentos e sem raiz[8].
O que acontece com uma árvore quando esta não aprofunda sua raiz na terra? Ela
está sujeita às tempestades, seca com facilidade, não dá frutos, morre e cai. O
mesmo acontece conosco quando não estamos enraizados em Cristo, perdemos as
forças e ficamos mais vulneráveis ao pecado, ao desânimo e dependendo sempre de
“tempo bom”. Mas, as nossas habilidades, a nossa fé, coragem e força são
verdadeiramente usadas/provadas quando passamos por momentos difíceis e para
vencermos precisamos estar inteiramente ligados em Cristo. A árvore que mais
resiste ao tempo e seus reveses são as que têm a raiz mais aprofundada na
terra, mesmo que o vento a balance ela não cai, assim como a casa alicerçada na
rocha. Devemos ter um enraizamento relacional[9]
com Cristo, nos ligarmos a ele de tal forma que sejamos um só e isso significa
sermos mais parecidos com ele do que com nossas vontades. Andar com Cristo,
cantar com Cristo, namorar com Cristo[10],
viver com Cristo o tempo todo e não apenas nas reuniões na nossa igreja. Cultuar
a Cristo em todos os momentos da nossa vida, estudar a sua palavra e assim buscarmos
o enraizamento, igual o homem que decidiu cavar, que viu à frente, viu que as
tempestades (problemas) viriam e que para ficar firme precisava de base (raiz).
Mesmo que isso nos exija trabalho, renúncia e dedicação. Ser Cristão não é e
nunca foi sinônimo de vida fácil[11],
de vida ganha, superficial, mas, de sofrer por amor a Cristo, de buscar
“perfeição” aquilo que Paulo chama de maturidade. [12]
[1]Uso essa expressão no seu sentido
histórico: O anacronismo ou anticronismo consiste basicamente em utilizar os
conceitos e ideias de uma época para analisar os fatos de outro tempo. Em
outras palavras, o anacronismo é uma forma “equivocada” onde tentamos avaliar
um determinado tempo histórico à luz de valores que não pertencem a esse mesmo
tempo histórico. Até mesmo avaliar objetos de um determinado período à luz do
que entendemos por arquitetura do atual tempo.
[2] Plátanos são árvores típicas dos
climas subtropical e temperado. No geral, são árvores de interesse ornamental,
podendo atingir mais de 30 metros de altura. Possuem folhas lobadas semelhantes
às do bordo, que ficam avermelhadas no outono antes de caírem no inverno.
[3] Educa a criança no caminho em
que deve andar; e até quando envelhecer não se desviará dele. Provérbios 22:6
[4] Alegre-se, jovem, na sua mocidade.
Seja feliz o seu coração nos dias da sua juventude. Siga por onde seu coração
mandar, até onde a sua vista alcançar; mas saiba que por todas essas coisas
Deus o trará a julgamento.
Eclesiastes
11:9
Todas
as coisas me são lícitas, mas nem todas as coisas convêm. Todas as coisas me
são lícitas, mas eu não me deixarei dominar por nenhuma.
1º Coríntios 6:12
[5]
Rogo-vos, pois, irmãos,
pela compaixão de Deus, que apresenteis os vossos corpos em sacrifício vivo,
santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional. E não sede conformados
com este mundo, mas sede transformados pela renovação do vosso entendimento,
para que experimenteis qual seja a boa, agradável, e perfeita vontade de Deus.
Romanos 12: 1-2.
Romanos 12: 1-2.
[6] E disse-lhes: Ide por todo o
mundo, pregai o evangelho a toda criatura. Marcos 16:15
[7] E dizia a todos: Se alguém quer
vir após mim, negue-se a si mesmo, e tome cada dia a sua cruz, e siga-me. Lucas
9:23
[8]
"Eu sou a videira;
vocês são os ramos. Se alguém permanecer em mim e eu nele, esse dará muito
fruto; pois sem mim vocês não podem fazer coisa alguma.
Se
alguém não permanecer em mim, será como o ramo que é jogado fora e seca. Tais
ramos são apanhados, lançados ao fogo e queimados. (I João 15. 5:6)
[9] De relacionamento.
Relacionar-nos com Cristo de forma que ele seja o nosso melhor amigo e estarmos
ligados como se fôssemos irmãos gêmeos inseparáveis.
[10] Namorar com, na língua
portuguesa, é namorar em companhia de alguém. Namorar A alguém é namorar essa
pessoa. Sendo assim, namorar A alguém COM Cristo ao nosso lado.
[11] Porque aquele que quiser salvar
a sua vida, perdê-la-á, e quem perder a sua vida por amor de mim, achá-la-á.
Mateus
16:25
[12] A palavra perfeito é traduzida
no grego como maduro, desenvolvido.